18 Ago 2015 – Cicloviagem – Jundiaí/SP – Curitiba/PR
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Planejamento
A ideia de fazer uma cicloviagem já estava na minha cabeça há algum tempo. O projeto era simples: pegar o Guia de Cicloturismo – Paraná 1, do Olinto, e pedalar pelo interior do estado, conhecendo as belezas da minha terra natal.
Com a reviravolta que tive em junho, ao deixar o emprego em que estava há mais de 10 anos, aproveitei o momento para descansar e curtir mais as minhas filhas. Afinal, depois de praticamente nove meses em um projeto fora do Brasil, estava devendo esse tempo a elas.
Antes de começar a procurar uma nova alocação, decidi encarar um desafio. Coincidentemente, fui convidado pela minha turma do NPOR de Curitiba para o tradicional churrasco anual em São José dos Pinhais. Foi aí que a ideia ganhou força: por que não ir de bike até lá? Não era uma decisão fechada, mas uma “grande possibilidade”.
Na semana anterior ao churrasco, participamos da Trilha de Iniciantes no Recanto da Xita. Aproveitei para preparar uma das minhas bikes já pensando na viagem. Mas, durante o pedal, deu tudo errado: o freio foi pro espaço e o pedivela quebrou. Se fosse arrumar a tempo, perderia a saída para chegar em Curitiba.
A solução foi recorrer à minha velha e guerreira Caloi Elite, a mesma que usei em 2004 para pedalar até Curitiba pela primeira vez. A manutenção não estava 100%, mas não havia muito o que fazer. A corrente claramente não aguentaria o tranco, os pneus também estavam no limite. Troquei a corrente, levei um pneu extra e parti. Durante o teste drive percebi que a coroa do meio não “casava” com a corrente nova, mas, para não perder o dia da saída, encarei assim mesmo.
O próximo passo foi planejar o caminho. Em 2004, tinha ido pela BR-116, mas desta vez queria variar. Depois de pesquisar bastante no Google Maps, fechei o percurso: Itu → Sorocaba → Salto de Pirapora → São Miguel Arcanjo → BR via Parque Carlos Botelho → Registro → Curitiba.
Percurso desenhado, material separado (levei até mais do que precisava), restava apenas uma coisa: começar a pedalar.
Acordei cedo, com aquela dúvida na cabeça: será que eu conseguiria pedalar tudo? Será que ia aguentar o tranco? Para não me pressionar demais, estabeleci um objetivo inicial: pedalar 50 km. Se o corpo e a bike se comportassem bem, eu continuaria; caso contrário, voltaria para casa sem peso na consciência.
Depois da última revisão nas coisas, saí de casa por volta das 7h da manhã do dia 18/08/2015. Mas não pedalei nem 2 km e já estava de volta: o tênis estava pegando muito no alforje. Resolvi trocar pela sapatilha (decisão acertada nº 1). Aproveitei, coloquei outro par de tênis na bagagem e saí novamente.
Andei mais uns 20 metros e… voltei outra vez! Dessa vez tinha esquecido o pneu reserva (decisão acertada nº 2). Só depois disso consegui, de fato, pegar a estrada — já perto das 8h da manhã.
Segui pela Dom Gabriel em direção a Itu. O tempo ajudava: nem muito quente, nem frio. Apesar do problema da corrente escapando quando usava a coroa do meio, dava para pedalar tranquilo. Pouco antes do meio-dia cheguei a Itu, fiz uma pausa rápida para comer e segui viagem rumo a Sorocaba.
Nesse ponto já tinha passado os 50 km planejados e nem pensava mais em desistir. Na saída de Itu vivi o único “susto” do dia: um motoqueiro me parou no meio da pista pedindo fita isolante para arrumar o pisca da moto. Depois da surpresa da abordagem, revirei minha bagagem, encontrei a fita e ajudei o rapaz.
Continuei o pedal passando por dentro de Sorocaba. O GPS, no entanto, parecia conspirar contra mim: me fez subir todas as ladeiras possíveis da cidade. O sol já estava mais forte, o peso da bagagem aumentava o desgaste e a preocupação era manter a hidratação em dia. Como se não bastasse, ainda me jogou para uma estrada rural antes de voltar ao asfalto. No fim, o esforço extra não compensou a suposta economia de quilometragem.
Já perto das 16h cheguei novamente à rodovia e segui em direção a Salto de Pirapora, onde tinha planejado dormir. Mas ao passar pela entrada da cidade, por volta das 17h, resolvi arriscar e seguir até a próxima cidade. Essa escolha me custou cerca de 30 minutos pedalando à noite, até finalmente chegar a Pilar do Sul.
Fechei o primeiro dia com direito a um bate-papo com o pessoal da cidade, manutenção e limpeza da bike, uma pizza bem merecida acompanhada de cerveja e, enfim, descanso.
Comecei o pedal por volta das 8h da manhã, com destino inicial a São Miguel Arcanjo (SMA), de onde pretendia descer para Registro. No entanto, em Pilar do Sul, o pessoal me alertou que a rodovia até Registro estava em obras e interditada. Chegando em SMA, tentei confirmar a informação, mas ninguém soube dizer ao certo se eu conseguiria ou não passar. Para não arriscar, decidi mudar o roteiro: seguiria por trás do PETAR, passando por Apiaí e seguindo rumo a Curitiba.
Depois de refazer o caminho, fiz uma pausa para comer e bater papo com a turma. Sempre me impressiona como as pessoas encaram uma cicloviagem como algo quase de outro mundo. Eu sempre digo: nada que um pouco de tempo, preparo físico e psicológico não resolva.
Na sequência, encarei uma rodovia alternativa de asfalto ruim, com tráfego razoável e um calor castigando, além do vento contra. Em Capão Bonito, parei novamente para me alimentar e logo começaram as conversas. Um morador, em tom de brincadeira, perguntou se eu estava pagando alguma promessa — afinal, não acreditava que alguém fizesse esse tipo de pedal por prazer. Expliquei que era um desafio pessoal, paguei a conta e segui em direção a Guapiara, onde tinha planejado pernoitar.
Esse trecho final foi puxado: muitas subidas e, mais uma vez, pedais noturnos. Já na “Zona Urbana”, a apenas 7 km da cidade, passei por uma pousada bem convidativa, mas resisti à tentação de parar. Essa escolha me custou quase uma hora extra, pois ainda havia uma serra para subir antes da chegada a Guapiara.
Concluí o dia por volta das 19h30, encontrando o único hotel disponível na cidade — com banheiro coletivo e bastante mofo. Sem dar muita importância, subi a bike para o quarto, fiz a manutenção básica, tomei um banho e saí para jantar, fechando assim o segundo dia de viagem.
O dia começou bem: café da manhã simples, mas suficiente, uma foto oficial em frente à igreja da cidade, reabastecimento de isotônico e, pronto, era hora de pedalar. Logo de cara veio a subida da serra em direção a Apiaí. Como ainda estava no começo do dia, encarei o desafio com tranquilidade.
Passei pela região do PETAR (Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira), um lugar incrível que já tinha visitado no início de 2015, repleto de cavernas e cachoeiras. A estrada, porém, exigia atenção: muito movimento de caminhões, já que muitos motoristas usam a rota para fugir do pedágio e também por conta das indústrias da região. O retrovisor virou meu melhor aliado e, em alguns momentos, quando dois caminhões se encontravam, a única saída era deixar a pista — sempre com cuidado, especialmente por conta do peso da bagagem.
O pedal seguia bem, com a expectativa de chegar a Apiaí e finalmente trocar as barras de cereal por algo mais substancioso. Foi aí que tive o único contratempo da viagem: o pneu traseiro começou a murchar. Tentei encher para ganhar tempo, já que faltavam apenas 10 km para a cidade, mas não teve jeito — murchou de novo. Ao olhar melhor, percebi que o pneu estava se desfazendo e a câmara também já estava comprometida.
Por sorte, eu estava prevenido. Santo pneu extra! Virei a bike, fiz a troca em cerca de 15 minutos e logo estava pedalando novamente. Pouco depois, já estava em Apiaí. Passei no parque da entrada da cidade e parei para um merecido sanduíche.
Na lanchonete, a atendente comentou que até Ribeira era “só descida”. Bom… quase isso. Foram, de fato, uns 90% de descida, mas no meio do caminho ainda encarei uma serrinha para subir e testar as pernas mais uma vez.
A boa notícia: pela primeira vez em toda a cicloviagem consegui chegar ao destino ainda com o dia claro. Em Ribeira, escolhi uma pousada que parecia promissora para finalmente descansar melhor, mas acabou sendo só ilusão — fiquei em um quartinho apertado, escondido perto do rio.
Mesmo assim, fechei o dia com a sensação de missão cumprida: mais um trecho vencido e a aventura seguindo firme rumo a Curitiba.
O dia começou com um pequeno retorno no caminho, só para registrar a foto oficial de Ribeira. Menos de 1 km depois já estava atravessando o Rio Ribeira e, finalmente, entrando no Paraná. Logo apareceu a placa indicando Curitiba a 122 km. A essa altura, achei que conseguiria chegar no mesmo dia… doce ilusão.
Foram cerca de 70 km de escalada contínua pela serra — uma subida interminável, onde a cada curva parecia que surgia um trecho ainda mais íngreme. Saí dos 170 m de altitude em Ribeira e cheguei a aproximadamente 1.130 m no ponto mais alto. O esforço foi enorme, mas a recompensa veio na forma de um visual simplesmente incrível, sem dúvida o mais bonito de toda a cicloviagem até então.
O preço dessa escalada? Mais um longo pedal noturno, desta vez de cerca de 3 horas no breu total. Felizmente, o trecho final era mais plano, permitindo manter um ritmo mais constante. E, de certo modo, até os cachorros da beira da estrada, perto de Bocaiúva, ajudaram a acelerar a chegada.
Cruzei a cidade depois das 20h30 e, sem pensar duas vezes, parei no primeiro hotel que encontrei. Decidi descansar por ali mesmo e deixar para encarar a etapa final no dia seguinte — rumo ao esperado churrasco em Curitiba.
Último dia, energia lá em cima e a animação de quem já sente o cheiro do churrasco no ar. Saí às 6h30, antes mesmo do hotel começar a servir o café da manhã, com o objetivo claro: chegar cedo em Curitiba.
O trecho foi mais tranquilo, com pouco desnível, mas acompanhado de frio e chuva praticamente durante todo o percurso. Revivi as antigas pedaladas pela BR-277, estrada que segue até Paranaguá, até finalmente alcançar São José dos Pinhais. Nos quilômetros finais acabei me perdendo, mas, por sorte, contei com um resgate providencial do amigo Mesquita — que apenas mostrou o caminho, já que fiz questão de chegar pedalando até a chácara do Jackson, local do churrasco.
E que chegada! Depois de todo o esforço, fui presenteado com um reencontro emocionante: após 24 anos, tive a chance de rever 23 dos 40 irmãos da Turma do NPOR de Artilharia de 1991. Entre abraços, risadas e muitas lembranças, curtimos uma costela de chão preparada com carinho pelos anfitriões. Foi um daqueles momentos que ficam gravados na memória.
Essa cicloviagem foi muito mais do que quilômetros rodados. Foi aventura, superação e força de vontade. Fiz questão de pedalar sem música, ouvindo apenas a natureza — o som das cachoeiras, dos pássaros, o barulho do pneu no asfalto e, claro, os caminhões que foram companhia constante.
Apesar dos perrengues, cada minuto valeu a pena. Chegar a Curitiba sobre duas rodas, fechar o desafio e ainda celebrar com amigos de longa data foi a coroação perfeita dessa jornada.
Renato Santos



